A esquerda e o iphone

Do blog Desmentindo Reacionários

“Confesso que não sabia bem o que era um iphone até ouvir esse tipo de frase de efeito: “é comunista/socialista, mas usa iphone”. Só então descobri que era uma marca comercial específica de smartphone, que não é a mesma coisa que um ipod.
 
Descobri isso graças à wikipedia, uma enciclopédia virtual construída por cooperação voluntária, usando um computador fabricado por alguma empresa capitalista, mas inventando em universidades públicas, através do sistema operacional Linux, software livre, produzido por cooperação voluntária, acessando a internet, rede de comunicação criada no setor público militar dos Estados Unidos, e das redes de telecomunicação via satélite, uma invenção soviética. No dia em que fiz essa descoberta sobre smartphones e ipods, comi três refeições de alimentos produzidos pela agropecuária, uma invenção das comunidades tribais neolíticas. Tenho certeza que vários produtos que utilizei hoje tem origens heterogêneas, em culturas capitalistas, socialistas, feudais, escravistas, camponesas, nômades, etc, originadas em uma, aperfeiçoadas em outras, e assim por diante.
 
É praticamente impossível mapear a origem da técnica e o processo econômico pelo qual passaram os produtos que eu utilizo no meu cotidiano. Pelo meu conhecimento histórico e sociológico, presumo que algumas coisas que consumo passam, em pelo menos um elo da produção, pela devastação ecológica e trabalho escravo ou precário. Alguns são de grandes marcas, outros de pequenos produtores, alguns de cooperativas.
 
O que eu nunca fui capaz de descobrir é qual é a contradição entre ser de esquerda e usar algum produto tecnológico. Pessoas de mentalidade conservadora/direitista pensam saber o que é ser de esquerda e poder ensinar para quem é de esquerda o que significa sê-lo. E o que parece se depreender de uma postura de esquerda coerente, segundo os reacionários, é ser um eremita. Afinal, nada melhor para a direita se toda a esquerda fosse morar em comunidades hippies ou em Cuba. Os ricos respirariam aliviados, pois seus inimigos não criariam problemas gravíssimos, como denunciar injustiças e participar de mobilizações populares.
 
Não direi que estão completamente incorretos em algumas críticas. Não sou extremista. É realmente “feio” alguém da esquerda anticapitalista ter um comportamento consumista, fazendo questão de esbanjar riquezas e acumulando coisas desnecessárias.
 
Muito pior que isso, no entanto, é defender abertamente e incentivar o consumismo individualista e desenfreado como privilégio de alguns bem-nascidos, estigmatizando quem sofre com baixos salários ou desempregado como “vagabundos” e coisas semelhantes. É muito mais “feio” naturalizar desigualdades extremas, patrimônios exorbitantes e exclusão social. Porque aí não se trata apenas de um comportamento privado “feio”. É também o comportamento público horrendo. É uma conduta integralmente perversa.
 
Uma parte importante da esquerda busca uma reforma dentro dos limites do capitalismo, para redução das desigualdades, exclusão e exploração mais extremas. Outros tentam ir além, procurando meios de superação do modo de produção capitalista. A questão chave é a redistribuição dos produtos e meios do trabalho que se encontram concentrados nas mãos, principalmente, de quem não trabalha, mas é proprietário do capital.
 
De uma perspectiva de esquerda, ou seja, do igualitarismo social, não há lugar para repúdio à tecnologia, apenas as suas funções e usos numa sociedade injusta. Não condenamos todo e qualquer uso da energia nuclear, se denunciamos o bombardeio de Hiroshima e Nagasaki como um ato genocida. A energia nuclear tem muitos usos pacíficos. Da mesma forma que os iphones e ipods provavelmente tem outros usos, além da ostentação consumista.
 
O problema para a esquerda não é a tecnologia dos ipods e iphones, é a falta de acesso universal à alimentação, moradia, vestuário, transporte coletivo, educação, saúde, aposentadoria e trabalho digno. E também a cultura e meios de comunicação. É a existência de uma ínfima minoria riquíssima, em contraste com grandes massas relativa ou absolutamente pobres e desamparadas.
 
O que impõe limites à difusão dos ipods e iphones não é a esquerda. É o planeta. Os recursos são limitados, e a generalização de um padrão de consumo como o dos estadunidenses (que são pouco menos de 5% da população mundial e concentram 25% da renda, além de consumir 30% do petróleo), exigiria quatro planetas. Aí é que há limitação legítima do consumo: pela sustentabilidade ecológica de longo prazo. É por isso que melhorar e expandir o transporte coletivo e ciclovias é preferível a universalizar o casso pessoal. Em qualquer um desses casos, trata-se de uma questão coletiva, objeto de políticas públicas, e não de escolhas privadas.
 
Isso significa que o homem ou mulher de esquerda, como já disseram muitos reacionários, deveria doar sua renda individual? Esse ato seria indiferente. Não é raro que o esquerdista que siga esse conselho seja em seguida acusado de demagogo… Parece que é impossível a pessoa de esquerda ser coerente, não acham? Na verdade, a filantropia é uma escolha privada. A opção pela esquerda é política, diz respeito a decisões de alcance coletivo, e, primeiramente, ao modo de governar e utilizar o Estado.
 
A economia capitalista certamente não funcionaria caso todos os ricos fossem adeptos da total filantropia, e escolhessem viver com uma renda equivalente a um salário modesto, dividindo todo o resto. Afinal, quem trabalharia para produzir a riqueza?
 
A esquerda não defende a filantropia, que é uma escolha privada, possível apenas para quem já tem muito mais do que precisa. A filantropia se baseia uma relação de dependência entre o doador e o beneficiário. Às vezes o filantropo tira maior benefício para si deste ato, pois adquire prestígio e influência (e em muitos casos, consegue esconder a sonegação de grandes somas). A esquerda promove a solidariedade, que é a ajuda mútua entre iguais, e políticas públicas, ativas e coativas de redistribuição de renda.
 
Sim, coativas. Um imposto de renda progressivo é coação. Qualquer imposto é coercitivo – então que ao menos seja justo. Esse imposto arrecadado deve ser direcionado para um investimento social eficiente, que beneficie aos mais pobres (Bolsa-Família, reforma agrária, etc) ou a todos (educação e saúde públicas, transporte coletivo, etc).
 
Antes que digam que isso é um atentado à liberdade, gostaria de lembrar que a propriedade privada é tremendamente coativa. A propriedade privada é exclusiva: o bem é apropriado por um, que faz dele o que bem entender, quando é excluído do usufruto de todos os outros. Grande parte da violência policial e encarceramento é repressão aos crimes contra a propriedade privada. Grande parte da criminalidade de rua é tentativa de obter propriedade privada por meios ilegais. Qual liberdade proprietária tem o miserável, que nada tem para si? A liberdade individual do pobre é ser escravizado pela necessidade. Uma redistribuição de riquezas desigualmente distribuídas é a maior promoção da liberdade, pouco importando que seja realizada mediante coerção política e jurídica.
 
Ser de esquerda, portanto, não é ser contra qualquer tecnologia X por ter sido inventada numa sociedade capitalista, feudal ou escravista, mas, pelo contrário, lutar pela socialização dos benefícios do progresso tecnológico. E desde que (re)descobrimos a finitude dos recursos do planeta, de um modo que não comprometa o futuro dos nossos filhos, netos e bisnetos.”
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Síndrome da Ignorância Política

Do Blog da Ligia Deslandes

“Acabei de crer. Ignorância é coisa que muita gente tem medo de debater. Chego a essa conclusão lendo alguns comentários nas redes sociais. O que há de ignorância, estupidez, generalização, ausência de pensamento crítico e falta de noção em muitos desses comentários é algo impressionante! E a escolaridade não tem nada a ver com isso. É como se estivéssemos diante de uma nova síndrome, a Síndrome da Ignorância Política!

Para além das redes sociais, nos deparamos todos os dias com pessoas com as mais diversas escolarizações que se pronunciam de forma generalista e simplista sobre os assuntos que estão em voga na mídia. Esses dias conversando com um amigo, ele teve coragem de, a partir de suas experiências na empresa que trabalhou, fazer uma analogia da fuga de Pizzolato para a Itália e dizer que se fugiu, mostrou que é culpado. Comecei a argumentar de que ele ao ir para a Itália seria o único a ter condições de demonstrar todos os erros e problemas que aconteceram no julgamento da AP 470, já que o julgamento no Brasil foi totalmente político e não levou em conta as provas nos autos. Não adiantou… Em sua mente, a crença generalista de que quem foge é culpado está cristalizada. O que fazer! Ele, mesmo diante de provas contundentes da inocência das pessoas iria se convencer?

Outro dia, conversando com um taxista, desconstruí muitos dos argumentos que ele tinha sobre o Governo e o PT com outros argumentos. Mas, notei que suas crenças sobre o assunto, não foram totalmente abaladas. A generalização e o pensamento único prejudicavam sua forma de pensar.

Crenças!!! São com elas que a ditadura e a imprensa trabalharam habilmente para monopolizar as opiniões, colonizar as mentes. Para isso contaram com uma rede de integrantes entre muitos empresários e alguns trabalhadores. Enquanto as esquerdas lutavam para restabelecer a democracia com duros embates contra as forças políticas internacionais e nacionais que queriam manter o Brasil dependente e subalterno a um projeto colonial de modernidade, a mídia formava as mentes para que esse projeto se desenvolvesse na sociedade a partir do próprio cotidiano das pessoas, segundo sua concepção de sociedade: Ricos cada vez mais ricos em detrimento dos pobres cada vez mais pobres.

Como esse conceito de sociedade poderia se alojar nas consciências? Onde estariam escondidas a inteligência e compreensão humanas? Onde teria ficado a tolerância e a solidariedade! De que forma a habilidade das pessoas em usar a mente para discernir se foi? Quando a capacidade das pessoas de conhecer a história e entender os movimentos sociais e políticos esvaneceu-se?

Fui ler Walter Mignolo e Enrique Dussel de novo para entender melhor isso. E compreendi o quanto foi providencial e eficaz essa inserção do projeto global colonial enraizar-se na vida cotidiana das pessoas. Tudo que temos hoje na sociedade foi criado e manipulado por um projeto global de capitalismo construído a partir das histórias de cada região e das histórias de vida das pessoas. A ditadura formou as mentes dentro desse processo. O processo de democratização com todas as suas lutas aconteceu num ambiente legitimado pelas crenças que a própria ditadura colonial capitalista formou, com ajuda da mídia e dos oportunistas que assim como em outros países também temos aqui. 

Assim, é compreensível que o único partido que, de fato, foi construído em bases populares não tenha conseguido eleger Lula como presidente por tantas vezes e só o tenha conseguido fazendo concessões à elite politica colonialista que governava há muito tempo o país.

É compreensível que apesar de estar no Governo nesses dez anos, o PT ainda não tenha o poder de promover todas as mudanças que gostaria, nem tenha conseguido governar sem aparelhar a máquina pública com muitos de seus adversários e que até mesmo alguns que fizeram parte do projeto do PT fossem cooptados por seus adversários.

É compreensível também que as demais forças políticas de esquerda não tenham conseguido entender a dinâmica desse contexto e que lutem somente por se promover dentro do cenário político nacional, se aliando, muitas vezes, aos adversários políticos do PT contra o próprio PT.

Mas é notório que o projeto político que o PT está desenvolvendo há dez anos com todos os problemas oriundos das concessões feitas ao capital e à elite está preocupando as forças políticas capitalistas e coloniais a ponto de fazer com que essas forças desenvolvam novos mecanismos de ocupação do poder, entre eles a criminalização através do judiciário.

Isso não está acontecendo a toa. É necessário que façamos um esforço para uma análise mais aprofundada do contexto político, deixando de lado as ideias generalistas que a formação colonialista nos impôs.

Fazendo isso, é possível perceber que os grandes tesouros que o PT trouxe para o país, não foram somente as melhorias econômicas e sociais na vida do povo brasileiro. O PT vem desmascarando desde 2003 até o momento atual a hipocrisia do sistema político nacional e seus mecanismos de imposição de uma cultura colonialista no país.

Cada vez mais compreendemos que nossa história política e social esteve aprisionada durante longos anos nos porões da ditadura. Ainda não conseguimos nos libertar totalmente das mentiras e enganações que nos foram contadas nesse período, mas, estamos aprendendo a duras penas que precisamos fazer o rito de passagem para uma nova forma de política.

Nosso amadurecimento enquanto povo vem passando por algumas reflexões e conclusões, a partir das experiências nessa última década. Cito aqui algumas delas:

– Parte da sociedade brasileira sempre foi racista e elitista e sempre se preocupou somente com seus privilégios.

– A mídia corporativa sempre esteve ao lado dos poderosos para se beneficiar politicamente e economicamente e nunca esteve do lado do povo.

– O sistema judiciário é um apêndice da elite colonialista, aparelhado para criminalizar os pobres e aqueles que os defendem e dar vida boa aos ricos e poderosos que estão há anos usufruindo das benesses do sistema.

– Educação não é só escolarização. As experiências de vida se somam ao aprendizado. Assim, não basta ter-se escolas, mas, uma educação de qualidade comprometida com as necessidades do povo.

– Grande parte dos empresários brasileiros nunca se preocupou com a sociedade brasileira, mas, somente com os lucros que eles poderiam usufruir, o que durante muito tempo deixou o país endividado.

– Nosso sistema político faz com que nossos representantes fiquem amordaçados a empresários colonialistas.

– Grande parte dos médicos do Brasil nunca se preocupou com a saúde da população, mas, somente com seus privilégios capitalistas e corporativistas.

– Não se pode governar sem participação popular e apoio direto ao projeto de país que se quer construir.

– Política não é coisa de políticos, é cidadania colocada a serviço da sociedade e do povo. A criminalização da política e dos partidos só serve à mídia e a elite brasileira.

– Seria ótimo que pudéssemos aprofundar essas reflexões entre nós e em todo o país. Por mais que as redes sociais sejam realmente um belíssimo instrumento de discussão e contraponto a tudo que até então vinha formando a opinião de todos nós brasileiros, é importante que façamos o corpo a corpo com o maior número de pessoas possível, debatendo esses assuntos.

Eu por mim, irei construir a partir de março desse ano, em minha casa, um grupo para debater política e as possibilidades de transformações sociais e urbanas, uma vez por mês. Que outros possam fazer o mesmo ou pensem em outras alternativas possíveis.”

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A esquerda e as instituições: um problema teórico

Do site da revista Teoria e Debate.

Edição 114, 03.07.2013.

Por Carlos Sávio G. Teixeira

Exatamente no momento em que a esquerda perdeu força e autoridade enquanto movimento histórico passou em muitos lugares a ocupar o poder do Estado e ser exigida em sua capacidade de ajudar a resolver na prática do controle democrático desse mesmo Estado os imensos desafios da ordem social capitalista.

A esquerda experimenta hoje o seu pior momento histórico desde quando emergiu como movimento político informada teoricamente pelas ideias de Karl Marx e Friedrich Engels1. Sustento que uma das explicações para essa circunstância deve se concentrar em um problema teórico: a compreensão equivocada de como se organizam e de como ocorrem as transformações estruturais nas sociedades modernas. Essa situação intelectual resulta do descuido e da fraqueza com que essa tradição política e intelectual lidou com a questão das instituições. Embora a crítica dirigida pelo marxismo aos meios intelectuais com que a tradição liberal sempre compreendeu as instituições esteja basicamente correta, o diagnóstico da insuficiência do institucionalismo liberal não resolveu o problema de como representar de maneira crível as instituições, sem enxergá-las como simples epifenômeno da estrutura.

O enfrentamento dos principais problemas das sociedades contemporâneas, como a brasileira, passa por inovações institucionais. Não se pode inferir o conteúdo de tais inovações de abstrações conceituais como democracia, mercado, capitalismo ou socialismo. As opções institucionais decisivas situam-se em um nível de concretude que tais abstrações não alcançam. Por isso, não menos importante, embora menos evidente, do que o alcance prático da discussão sobre as instituições é sua importância teórica.

As instituições e as alternativas institucionais ocupam lugar precário no pensamento social contemporâneo. Na maioria das vezes correntes de pensamento tidas como institucionais são, na verdade, anti-institucionais. Tratam as institucionais existentes, principalmente nos países mais ricos e poderosos, como produtos de imperativos funcionais inexoráveis, patenteados no curso do que seria uma evolução irresistível.

Exemplo, entre muitos, desse fenômeno é a chamada teoria econômica institucional e seus satélites como a ciência política hegemônica hoje, que tende a explicar as instituições econômicas e políticas com base nos mesmos tipos de argumento com que procura entender as decisões racionais tomadas pelos agentes econômicos dentro do arcabouço institucional existente – uma versão contemporânea de hegelianismo de direita, com sua característica suposição de que o real é racional. Nessa tradição intelectual, o desenvolvimento da história é explicado como resultado da permanente capacidade de acomodação dos conflitos pelas instituições. Para ela não existe descontinuidade ou ruptura estrutural2.

Assim, as duas formas contemporâneas mais consagradas de explicar as sociedades e suas instituições revelam-se insatisfatórias. Mas a falha da agenda teórica da esquerda tem um peso distinto na medida em que suas consequências afetam diretamente as pretensões transformadoras do movimento de emancipação. A ênfase na ideia de socialismo como forma alternativa de organização do mundo econômico, social e político quase sempre se baseou em abstrações conceituais e ideológicas. Nelas jamais se encontrou, paradoxalmente, uma análise abrangente das instituições alternativas.

De forma contrária, sempre se encontrou uma sombria radiografia do capitalismo apresentada por uma exposição minuciosa da estrutura e do funcionamento desse regime social. No âmbito dessa tradição quase sempre se pensou que nessa análise estivesse embutida uma prescrição institucional e política da vida social pós-capitalista, senão direta com certeza indiretamente. Descobriu-se, progressivamente, que não há. E mais: já sabemos que de uma eventual destruição da sociedade de classes não emergirá “naturalmente” o socialismo.

Afora muitas palavras de ordem destinadas à luta política – perfeitamente compreensível enquanto discurso político e ideológico –, nenhuma ideia sistemática sobre a organização institucional da sociedade erguida dos escombros do capitalismo e menos ainda dos detalhes miúdos da ordem legal em que deve repousar todo e qualquer arranjo institucional e político foi desenvolvida com vigor. Na verdade, a esquerda nunca identificou necessidade de especificações institucionais exequíveis de qualquer futuro pós-capitalista, o qual sempre implicará maior complexidade, e não o contrário – a simplificação, como muitos pensaram e ainda pensam –, dos arranjos e ordenamentos da presente ordem social.

Em uma passagem célebre de O Capital, inclusive pelo seu tom sarcástico, Marx ilustra esse problema da crença na simplificação da vida social após a derrubada do capitalismo fazendo referência à personagem lendária de Robinson Crusoé:

“(…) a economia política adora imaginar experimentos robsonianos. Façamos, por isso, Robinson aparecer em sua ilha. Moderado por natureza, tem, entretanto, de satisfazer diferentes necessidades e, por isso, é compelido a executar trabalhos úteis diversos, fazer instrumentos, fabricar móveis, domesticar lamas, pescar, caçar. Não falaremos de suas orações e de coisas análogas, pois Robinson se compraz nelas, considera restauradoras atividades dessa natureza. Apesar da diversidade de suas funções produtivas, sabe que não passam de formas diversas de sua própria atividade, portanto, de formas diferentes de trabalho humano. A própria necessidade obriga-o a distribuir, cuidadosamente, seu tempo entre suas diversas funções (…) Todas as relações entre Robinson e as coisas que formam a riqueza por ele mesmo criada são tão simples e límpidas que até Max Wirth as entenderia, sem grande esforço intelectual. Elas já contêm, no entanto, tudo o que é essencial para caracterizar o valor” (Marx, 2008: 98-99).

Há, portanto, no grande edifício teórico do materialismo histórico – a principal fonte de inspiração intelectual e de organização política da esquerda – uma quase completa ausência de explicações de como se organizaria a vida social e política da sociedade pós-capitalista. O ceticismo do marxismo clássico em relação a “projetos” de um futuro não capitalista não foi o único responsável por seu incrível silêncio sobre essa dimensão institucional. As sequelas do pensamento socialista “utópico” sempre foram desconsideradas pelos socialistas “científicos”, embora muitos destes acreditassem na “substituição do governo dos homens pela administração das coisas” de Saint-Simon ou na “abolição da divisão do trabalho” de Fourier. Lênin, por exemplo, expressou a crença em uma simplificação intrínseca da administração e da produção, da economia e da política, no livro O Estado e a Revolução, no qual, segundo ele, qualquer cozinheiro poderia dirigir o Estado. Disso resultou que jamais foi pensada e imaginada uma ordem social complexa após a superação do capitalismo. Uma das consequências é que “o legado do pensamento institucional no marxismo clássico foi, portanto, sempre muito frágil, com terríveis consequências para o processo efetivo de institucionalização na Rússia bolchevique. A tradição pós-clássica do marxismo ocidental nada fez para remediar tais deficiências” (Anderson, 2004: 231-232).

Portanto, as dificuldades enfrentadas pela esquerda hoje se vinculam a essa lacuna em relação à temática institucional. O debate sobre as dificuldades do pensamento marxista em relação à problemática institucional é anterior ao colapso do socialismo real. Na verdade, muito se questionou se no interior do materialismo histórico havia ou não uma teoria da política – e, por conseguinte, reflexões sobre o Estado socialista, assim como sobre uma democracia socialista (Bobbio, 1987; Carnoy, 1988).

Associado a esse problema de ordem intelectual observa-se também o que se pode designar como os constrangimentos de natureza histórica. Refiro-me, de um lado, às duas grandes construções institucionais no curso do século 20, desenhadas para expressar o ideal teórico dominante da esquerda, as sociedades da União Soviética e da China. Muito embora seja impossível negar sua decisiva influência exercida sobre a dinâmica do século passado e, numa perspectiva mais ampla, sobre o significado de toda a história moderna, tornou-se comum, mesmo no interior da esquerda, associar ao conjunto de barbaridades (não só morais, mas políticas e econômicas) cometidas pelo regime soviético e chinês todas e quaisquer consequências – positivas inclusive – resultantes da primeira experiência sistêmica alternativa de enfrentamento do capitalismo. Essa atitude ideológica, porém, não contribui para avanços teóricos e científicos3.

De outro lado, concorre para a posição constrangida da esquerda atualmente o significativo declínio da adesão que o “ideal proletário” sofreu nas últimas décadas. Primeiro o enorme enfraquecimento do prestígio e autoridade da ideia de socialismo. Nesse plano houve uma fusão entre os problemas da dimensão intelectual com os da história: “Ao iniciar-se a última década do século 20, o comunismo ‘marxista-leninista’ sofre um desmoronamento tão amplo que elimina a possibilidade de esse sistema constituir uma alternativa para o capitalismo” (Blackburn, 1992: 107). A avaliação negativa da experiência do Socialismo Real chegou mesmo a afetar a ideia da possibilidade de alternativa não só ao capitalismo, mas mesmo a de variações dentro do sistema, como prova exemplarmente a força de que desfrutou a tese da convergência, segundo a qual o mundo todo a partir de então (colapso da URSS) passaria a experimentar o mesmo conjunto de ideias, práticas e instituições que caracterizavam as sociedades ricas do Atlântico Norte (Fukuyama, 1992).

Muito embora nem o operariado nem o seu ideal jamais tenham sido numericamente dominantes na era moderna, agora, nem mesmo no interior da classe trabalhadora, são majoritários. O número de trabalhadores da indústria em todas as sociedades contemporâneas diminuiu sensivelmente nas últimas décadas (Harvey, 2008: 117-184). E a maioria da humanidade não se identifica com o ideal proletário. Uma das consequências dessa circunstância foi o agravamento de uma postura corporativista desse grupo social – o operariado industrial sindicalizado – com relação ao restante da classe de trabalhadores que passou cada vez mais a enxergá-los como mais uma confederação de lobbies entre os interesses organizados que caracteriza a política contemporânea (Przeworski, 1989). O resultado é que o ideal pequeno-burguês tornou-se a aspiração central dos grupos populares em todo o mundo hoje (Unger, 2008: 47-53)4.

Não obstante essa complexa herança histórica da esquerda exercer grande influência para os constrangimentos experimentados pelos progressistas atualmente, o peso maior recai sobre a fraqueza das ideias acerca da possível realização de um futuro pós-capitalista tangível: “(…) o terreno institucional continua sendo tipicamente negligenciado. Mas é muito claro que, sem uma séria investigação e mapeamento dele, qualquer avanço político para além de um capitalismo parlamentar continuará bloqueado. Nenhuma classe operária ou bloco popular numa sociedade ocidental jamais dará um salto no escuro, a essa altura da história” (Anderson, 2004: 232. Grifo meu).

O preenchimento dessa lacuna na agenda teórica da esquerda necessita de algumas atitudes – morais, intelectuais e políticas. Todas elas demandam e compartilham abertura e risco. Do ponto de vista moral e político significa enfrentar a dialética entre os planos históricos e biográficos da ação. Os diversos agentes da esquerda intuem ou reconhecem a limitação de suas perspectivas no horizonte histórico, mas encontram enormes dificuldades em operar as rupturas necessárias que se concretizarão no plano de suas biografias. Do ponto de vista intelectual significa estar aberto para uma revolução. Iniciada pelo reconhecimento das limitações do cânone do pensamento de esquerda e, em seguida, pela identificação de um caminho analítico definido por temas que tenham a qualidade de se emprestar à combinação de interesses teóricos e práticos.

É diante dessa herança da esquerda tradicional que os que querem superar a estrutura social do capitalismo atual no mundo inteiro têm de se posicionar. E nesse caso diante de um enorme paradoxo: exatamente no momento em que a esquerda perdeu força e autoridade enquanto movimento histórico passou em muitos lugares a ocupar o poder do Estado e ser exigida em sua capacidade de ajudar a resolver na prática do controle democrático desse mesmo Estado os imensos desafios da ordem social capitalista. Ao longo do século 20, progressivamente desiludida e exausta com as experiências do Socialismo Real, a esquerda se deixou cada vez mais identificar com uma acepção que a definia como “as forças e as lideranças políticas animadas e inspiradas pela perspectiva da igualdade”, entendida agora como prática de redistribuição marginal de recursos e direitos dentro da ordem capitalista não mais desafiada (Bobbio, 1995). E, agora, em uma circunstância agravada pelas profundas mudanças em seu paradigma produtivo e em seus padrões de governança com a ascensão da ideologia e da prática da desregulamentação5.

Após o colapso do Socialismo Real alguns esforços no âmbito do pensamento de esquerda, ainda que muito marginais, identificaram a agudeza do problema teórico de não haver no interior da tradição “socialista” uma reflexão verdadeiramente institucional a respeito da vida pós-capitalista. Um dos exemplos mais notáveis talvez esteja nas reflexões de Alec Nove sobre o “socialismo de mercado” e todo o debate desencadeado pela sua posição, especialmente aquele ocorrido nas páginas da New Left Review. Nove (1989) discute os preconceitos e as confusões teóricas do pensamento de esquerda que prejudicaram enormemente as economias socialistas, apontando também o perfil de um modelo alternativo de organização econômica sob efetivo controle democrático.

Outra tentativa teórica contemporânea de enfrentar os desafios intelectuais apresentados até aqui neste artigo é o pensamento de Roberto M. Unger. Ele representa um esforço de formulação de uma teoria social alternativa ao marxismo, de um lado, e às ciências sociais positivas, de outro (Unger, 2001). Esse esforço, no substancial, desdobra-se em dois planos distintos, embora interligados. O primeiro, explicativo, visa radicalizar a ideia de contingência das instituições contemporâneas, procurando demonstrar que elas não são resultados de imperativos necessitários de caráter histórico e social. A segunda parte, programática, analisa as formas institucionais alternativas de organização dos mundos político, econômico e social numa direção pós-capitalista. Aqui Unger parece ter recolhido a lição de Montesquieu segundo a qual “nenhum vento ajuda a quem não sabe a que porto veleja”. A sua obra pode, portanto, ser interpretada e descrita como uma resposta à condição constrangida da esquerda contemporânea.

Concluo afirmando que, a despeito de o capitalismo ter como principal característica a proliferação de profundas divisões de classes e enormes desigualdades e exclusões que incapacita e humilha a maioria da humanidade, ele não é o maior problema das sociedades contemporâneas, de um ponto de vista da esquerda. O maior problema enfrentado hoje é a incapacidade dos progressistas de imaginar os instrumentos institucionais e práticos com que superar essa situação de bloqueio e injustiça representada pelo capitalismo. A separação entre a crítica e a imaginação programática transformou a primeira em protesto e denúncia impotentes, desperdiçando oportunidades, disseminando desesperança e cultivando frustração.

 

Referências bibliográficas

ANDERSON, Perry (2004). Considerações sobre o Marxismo Ocidental; Nas Trilhas do Materialismo Histórico. São Paulo, Boitempo Editorial.

BLACKBURN, Robin (1992). “O socialismo após o colapso”. In: BLACKBURN, R. Depois da Queda – O Fracasso do Comunismo e o Futuro do Socialismo. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

BOBBIO, Norberto (1987). Qual Socialismo? Rio de Janeiro, Paz e Terra.

BOBBIO, Norberto (1995). Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política. São Paulo, Ed. Unesp.

CARNOY, Martin (1988). Estado e Teoria Política. Campinas, Papirus.

DAWNS, Anthony (1957). An Economic Theory of Democracy. New York, Harpen and Row.

FERNANDES, Luis (2008). “Os múltiplos legados da Revolução Soviética e os dilemas da formação do Estado Socialista”. In: MONTEIRO, A. Capitalismo Contemporâneo e a Nova Luta pelo Socialismo. São Paulo, Anita Garibaldi.

FUKUYAMA, Francis (1992). O Fim da História e o Último Homem. Rio de Janeiro, Rocco.

HARVEY, David (2008). Condição Pós-Moderna. São Paulo, Loyola.

MARX, Karl (2008). O Capital: Crítica da Economia Política. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira (Livro I, Vol. 1).

NOVE, Alec (1989). A Economia do Socialismo Possível. São Paulo, Ática.

PRZEWORSKI, Adam (1989). Capitalismo e Social Democracia. São Paulo. Companhia das Letras.

UNGER, Roberto M. (2001). Política: os Textos Centrais. São Paulo, Boitempo Editorial.

UNGER, Roberto M. (2008). O Que a Esquerda Deve Propor. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

 

Carlos Sávio G. Teixeira é professor adjunto de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense.

 

Notas

1. Esquerda é aqui compreendida como um movimento político e uma tradição intelectual. Ambos sempre tiveram de alguma forma relação estreita. A história dessa relação é relativamente longa, variada e complexa. Este trabalho toma as formulações teóricas de Marx e Engels como o núcleo duro em torno do qual giraram, direta ou indiretamente, os acontecimentos principais da esquerda: tanto os debates intelectuais como as diversas estratégias e formas de ação política ensejada a partir daquele núcleo.

2. Na teoria política conservadora, uma das expressões dessa visão pode ser encontrada no livro clássico de Anthony Dawns (1957), intitulado Uma Teoria Econômica da Democracia.

3. Para um balanço sintético, mas lúcido e equilibrado acerca das principais teses sobre o significado dos “legados da revolução soviética”, ver Fernandes (2008).

4. Embora o fato de esse ideal pequeno burguês ainda não apresentar nenhuma expressão político-institucional nem uma ideologia definida constituir uma intrigante questão sociológica. Afinal, não há movimentos sociais identificados organicamente com ele, nem partidos políticos comprometidos com uma plataforma que atenda aos seus interesses específicos e gerais.

5. Juntos esses aspectos ajudaram a agravar em quase todas as partes do mundo as desigualdades em muitos níveis da vida social. Nos EUA, por exemplo, aumentou a desigualdade em riqueza e renda e, pior, a desigualdade na remuneração do trabalho no interior dos diferentes níveis da hierarquia salarial. A esses aspectos somam-se o decréscimo da mobilidade intergeracional entre as classes e a redução da participação e do interesse na política. Ver Unger (2008: 115).

 

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Adam Curtis: “O Século do Eu” [2002]

O Século do Eu (The Century of the Self – BBC) é um fabuloso documentário de Adam Curtis em 4 episódios que aborda a forma como as teorias de Sigmund Freud, sua filha Anna Freud, e o sobrinho daquele, Edward Bernays, foram usadas por governos e empresas multinacionais para controlar e manipular as massas.

Baseando-se nos conhecimentos de psicanálise de seu tio, Edward Bernays desenvolveu a longo do século passado as mais variadas técnicas de manipulação de massas, desde convencer as mulheres a fumarem, associando o acto à emancipação feminina, ou, usar o inconsciente humano apelando à sua irracionalidade para desenvolver a sociedade de consumo em que vivemos actualmente.

O Século do Eu é um documentário essencial para quem pretenda entender como as nossas vidas são afectadas pela propaganda e como os governos e empresas usam estas técnicas para conseguir os seus objectivos, quer sejam políticos ou comerciais.

Episódio 1

Episódio 2

Episódio 3

Episódio 4

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Condutas para intervenção em situações de crise

Condutas para intervenção nas situações de crise

construídas pela Equipe do CAPS Casaberta, Lima Duarte MG.

– Não se atua sozinho numa situação de crise, comunique o mais rápido possível a os demais membros da equipe que estiverem presente, para que possam auxiliar na intervenção.

– A intervenção na situação pode ser feita de várias maneiras, é necessário aquele que vai se aproximar, mas também aquele que vai diminuir ao máximo o número de pessoas no ambiente, recolher coisas que possam oferecer perigo, avisar o acompanhante, acalmar os demais pacientes, ficar atento caso seja preciso buscar ajuda externa.

– Muitas pessoas no local não ajudam muito, duas pessoas geralmente são suficientes para fazer uma boa aproximação.

– A melhor pessoa para se aproximar do paciente em crise é aquela que tem melhor contato com ela ou a que conhece melhor o caso, o motivo de sua crise, as questões delirantes.

– Se é o caso de uma pessoa não conhecida procure o mais rapidamente possível o maior número de informações a respeito dela. Nome, onde mora, religião, filhos, pessoas das quais ela gosta, coisas de que ela gosta, etc.

– Caso você perceba no momento que não terá condições, seja por qualquer motivo, de fazer uma abordagem de maneira favorável, se afaste e deixe que outras pessoas assumam a situação. Neste caso não fazer nada é sempre menos danoso que uma intervenção desastrosa.

– Lembre-se que se não for possível fazer nada naquele momento, isso poderá ser feito num momento subseqüente, entretanto, tomar uma atitude desastrosa pode impedir que qualquer coisa seja feita num depois.

– Ninguém e nem mesmo o CAPS tem que dar conta de tudo e de todas as situações, lembrem-se que o modelo manicomial é criticado exatamente porque tenta fazer isso.

– Ter uma certa dose de medo é importante porque nos preserva de ser surpreendido por uma agressão e também nos faz respeitar o paciente, evitando que tomemos uma atitude de enfrentamento.

– Mantenha a calma, se não puder afaste-se e tente se acalmar primeiro, ou teremos que cuidar de duas crises.

– Mantenha uma proximidade moderada do paciente, não muito próxima, nem muito distante.

– Observe o que está a sua volta: objetos, janelas, a porta de saída, para que você saiba o que fazer num momento de emergência.

– Sempre que possível convide a pessoa a se sentar ou deitar, isso diminui sua possibilidade de se machucar ou machucar alguém.

– Nesta posição é possível colocar a mão no paciente: ombros e braços, isso às vezes conforta e acalma, mas não insista se o efeito for de rejeição ao seu toque.

– Não fique dizendo coisas que contrariem mais ainda a pessoa. Coisas do tipo: – Não fique nervosa. – Não faça isso. – Não diga isso. A palavra “não” neste momento só piora as coisas. É preferível dizer frases positivas e permissivas, que não indicam ordem: – Agora você pode se acalmar. – Nós podemos conversar, se você quiser.

– Observe atentamente o que a pessoa está falando. Isso lhe dará dados para saber qual o motivo que a está lhe deixando nervosa e agitada naquele momento. Através da fala dela conseguimos verificar o que é possível fazer. (afastar, aproximar, chamar uma determinada pessoa, atender um pedido)

– Tente manter um diálogo com a pessoa a partir daquilo que ela está dizendo, mantê-la falando diminui a possibilidade de que ela faça um ato.

– Mantenha uma atitude de respeito e humildade para com a pessoa, lembre-se que ela está apenas precisando de ajuda.

– Não dê ordens, convide a pessoa a fazer o que é preciso ser feito, negocie com ela, converse, mesmo que para isso seja necessário muito tempo e saliva.

– Uma intervenção de crise exige urgência em iniciar uma intervenção, não em finalizá-la. Ter calma, não agir sozinho e pensar para atuar, favorece a tomada de uma atitude terapêutica.

– Infelizmente só saberemos se nossa atitude foi terapêutica depois que a situação tem seu desfecho, porque não há uma receita pronta, vamos precisar construir tudo em cada momento, em cada situação e com cada paciente.

– Qualquer intervenção feita à força torna as coisas muito piores depois. Entretanto, reduzir o espaço por meio da restrição do espaço físico (colocar em uma sala e fechar a porta, colocar no leito ou numa cadeira) pode fazer uma contenção sem que seja necessária a força física. Um abraço firme, também pode ser um modo de conter, mas ele só deve ser usado em casos onde o técnico conhece muito bem o paciente e tem um contato muito bom com ele. Se for mesmo preciso ser usada a força (casos de violência extrema com risco para todos) a polícia ou corpo de bombeiros deve ser acionada.

– Dentro do CAPS um bom lugar para atender a crise é o posto de enfermagem. A cama do posto dá a ideia para o paciente de que ele vai ser cuidado. O espaço restrito, a possibilidade de fechar a porta e a facilidade do acesso à medicação também podem ajudar.

– No caso do paciente ficar deitado no posto é muito importante que alguém fique com ele, neste momento o acompanhante pode ser chamado para cumprir esta função, caso ele esteja sendo bem aceito pelo paciente.

– Em geral, no momento da crise, o paciente se sente perseguido e ameaçado, sendo assim, qualquer atitude que reforce esta situação não é bem vinda. Atitudes do tipo: sair correndo atrás do paciente, ameaçá-lo, se colocar como alguém que tem poder ou direitos sobre ele.

– Não olhe muito fixamente nos olhos da pessoa isto também favorece que você fique na posição de perseguidor.

– Neste momento, o paciente precisa se sentir seguro e podemos dizer a ele palavras que o confortem: – Aqui ninguém lhe fará mal. – Estamos aqui para te ajudar. – Tudo vai ficar bem. – Vamos cuidar de você. – Estamos do seu lado. Etc. Resumindo: precisamos nos colocar do lado dele e contra quem o está perseguindo.

– Sempre utilize a palavra nós para justificar qualquer intervenção. Nós vamos te medicar, nós vamos resolver isso, nós vamos te levar para o hospital. A palavra “eu” reforça uma atitude autoritária, favorecendo que você se torne um perseguidor.

– No momento da crise é bem provável que a pessoa esteja escutando vozes, ou que mil coisas estejam passando pela sua cabeça. Reduza todo o tipo de barulho do ambiente: som, tv, pessoas falando e fale somente o suficiente para manter a pessoa falando.

– A grande dúvida numa intervenção deste tipo deve ser: será que depois disso o paciente voltará de bom grado? 

– Sempre que passada a crise – dias ou semanas depois – é necessário que numa situação de consultório a pessoa possa falar dela a fim de significá-la ou ressignificá-la.

Outras contribuições significativas em http://ritadecassiadeaalmeida.blogspot.com/

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